quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Meu primeiro trabalho literário


Surgiu como resposta a uma carta que me foi remetida por certa menina “engraçada”cá do burgo, quando manifestei interesse por uma sua irmã. Aconteceu por altura dos meus dezoito anos. No Domingo anterior à recepção da carta, tinha parado com elas e, pela forma como fui tratado, não tive dificuldade em saber da sua proveniência.

Com o intuito de galhofar, enfeitou com desenhos o envelope e endereçou-me a carta sem selo. No interior, num papel qualquer, um texto muito giro: “Ouvi dizer que sofres da ilusão! Toma duas gotinhas de desespero e ficas bom”. Depois fez um quatro virado ao contrário (uma cadeira) e por baixo dizia: “Está bonita a brincadeira, se não estás a ficar bom, senta-te nesta cadeira”.

Nesses tempos, era quase pecado um rapaz que não tivesse terras querer namorar com a filha dum lavrador, por pequeno que fosse, como era o caso. Quem tinha terrenos era“rico”, se não, era pobre e por isso não servia.


Eis a resposta à carta recebida:

Espero que fiques bem, recebendo esta cartinha,

Tenho que te responder, ó mascarada Rosinha.

Para não ser mentiroso pois gosto de ser leal,

Vou contar-te o passado e como ficaste mal.

Escreveste-me uma carta, a qual sem remetente,

Sem selo, bem enfeitada, mas li-a e fiquei contente.

Dois escudos não é dinheiro, gastei-os com muito gosto,

Por saber que és matreira e não me dares outro desgosto.

Por saber que és assim, conhecendo o teu ideal,

Dizer bem de ti não posso, não deves levar a mal.

Mas começando a descrever o que na carta dizias,

Se aproveitas os conselhos para ti que bem fazias.

Julgas que és importante por frequentar o estudo?!

Não te envaideças tanto, que ainda podes perder tudo.

Tua riqueza é pouca, teu encanto pouco é,

És criança, não admira, peneiras é o que mais é.

Mas lá com teu proceder com isso não tenho nada,

Será essa a tua ideia de quereres ser engraçada.

Vou-te explicar o meio da graça adquirires:

Procura ser faladeira, saúda a gente que vires!

Falando para toda a gente, não diferençando ninguém,

Então acharás a graça e logo o encanto vem.

Para mim que sei pensar, quiseste-me desfeitear,

Mas eu tudo isso esqueço,

Só te digo que aprendas, porque se te não emendas,

Paga-las por outro preço.

Minhas informações te dou, em mim, podes confiar,

Eu falo com lealdade não penso em enganar.

Sou o dito Manuel, gostava da tua irmã,

O qual vê que sois ricos, deixo de passar por lá.

Há um ditado que diz, ainda hoje bem lembrado:

Mais vale cair em graça, do que enfim, ser engraçado.

Mas sei que vos não agrado, tendes outros doutro lado

Para fazeres uma escolha.

Sei bem que sois interesseiros, mas nos Passos de Cabreiros,

Sempre arranjastes um trolha (ª)

Pois enfim vou terminar, tenho que te desculpar,

Essa falta para comigo

Quando eu por ti passar, continuas a falar,

Porque te não dou castigo.

Se achares que não está bem, não peças a mais ninguém,

Para te explicar!

Quando por ti passar eu, dizes: foi engano meu,

Faz favor de desculpar!

Já tens minha direcção, te peço do coração,

Para não seres mascarada!

Se me voltas a escrever, saber-te-ei responder

E dar-te resposta acertada.

Adeus.


(ª) Cabreiros é uma freguesia vizinha.

No terceiro Domingo da Quaresma fazem lá a festa ao Senhor dos Passos. Foi nessa festa, no Domingo após me ter enviado a carta, que arranjaram uns moços, bem apresentados. Eram meus conhecidos. Bons rapazes, que exerciam a profissão de trolha.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Um paraíso nas margens do rio Labriosque

S. Julião de Paços apresenta-nos um dos maiores pulmões ecológicos do concelho de Braga, na encosta do rio Labriosque, que nasce no monte da Levandeira, na fronteira com Bastuço. Este atravessa São Julião, passa por Martim e desagua no rio Cávado na freguesia da Pousa.
Nas suas margens nasceram muitos e bem cuidados moinhos e azenhas, símbolos de uma agricultura forte, actividade que predominou na localidade ao longo de vários séculos. Estes moinhos integram, nos dias de hoje um património que caracteriza a freguesia.
Nascida à sombra do Castelo de Penafideles de Bastucio, a freguesia de S. Julião de Paços é hoje o resultado da fusão com a de S. Tomé da Serra, também designada São Veríssimo de Quintanela, da qual restam ainda vestígios do seu antigo cemitério. As pedras da sua igreja integram as paredes da sacristia da Igreja paroquial desta localidade, construída em 1779/1784..
A sul de S. Julião de Paços, passava a estrada medieval que ligava Braga a Vila do Conde. A norte, passava a estrada romana de Braga ao longo do rio Cávado.
O lugar da Torre é um dos lugares mais antigos desta terra, conhecido por ter um aglomerado de construções rurais antigas.
A documentação mais antiga sobre S. Julião de Paços surge no ‘Liber Fidei (1018), estudado pelo professor Avelino Jesus da Costa, que fala nas doações de terras e moinhos à Sé de Braga.
Do seu antigo e vasto património, destaque para os vestígios arqueológicos. Referência particular, para uma tampa de sepultura da antiga Necrópole Medieval em São Tomé da Serra, com inscrições da segunda metade do séc.XI, encontrada pelo padre Mário César Marques, nos anos setenta.
Referência ainda para a Igreja Paroquial, datada do séc. XVIII , e para o nicho do Senhor dos Trabalhos.
Ordenação heráldica do brasão e bandeira, publicada no Diário da República, III Série de 19/06/2000.
Armas - Escudo de ouro, torre de vermelho, iluminada, aberta e lavrada de prata; em campanha, dois ramos de pinheiros, frutados, tudo de verde, com os pés passados em aspa. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco com a legenda a negro, em maiúsculas : “ PASSOS – S. JULIÃO “. (Deveria ser, SÃO JULIÃO DE PAÇOS)
Orago: São Julião
População: 987 habitantes. Área – 1,9 km2
Actividades económicas: Agricultura, pequena indústria e comércio
Festas e romarias: Senhora do Rosário (2º Domingo de Maio) e São Julião ( 9 de Janeiro)
Gastronomia: Cozido à portuguesa, rojões e arroz "pica-no-chão"
Artesanato: Mantas de farrapos, tapeçaria, rendas, bordados e talha de vários estilos.
Colectividades: Associação Cultural Desportiva e Recreativa de Passos, grupo coral da paróquia e grupo de música popular portuguesa “Minho a Cantar”, com dois trabalhos publicados e mais de vinte originais, onde se destacam o hino de São Julião, o Bom Jesus do Monte, lendas do penedo do castelo, fui beber a Vila pouca, etc..
A antiga freguesia de S.Julião de Paços era abadia da apresentação da mitra, no termo de Barcelos, anexa à de S.Tomé da Serra. Passou para o concelho de Braga em Outubro de 1853.
Confronta com as freguesias de Cabreiros, Sequeira, Tadim, Vilaça, Cunha, Bastuço (Stº Estevão) e Martim
"É uma das freguesia mais antigas do Minho - diz Pinho Leal. Fica abaixo do monte antigamente chamado Bastucio, hoje Bastuço, pela encosta passa o rio Laviorto/Labriosque, numa extensão de cerca de três quilómetros.
Aqui teve diversas fazendas Afonso Nantes Mires, das quais deixou uma à Sé de Braga em 1073. D.Adozinda, mulher de Mendo Sijiniz opôs-se e esta doação e teve demanda com D.Geraldo, então arcebispo: por fim compuseram-se, em 1106".

sexta-feira, 3 de junho de 2011

20 Junho 1933 - Inauguração Estrada Municipal
A obra da ditadura em Braga e Barcelos


Quando o Estado Novo foi instituído, no dia 11 de Abril de 1933 (consequência da entrada em vigor da Constituição de 1933), foi dado início a uma obra há muito ansiada pelas populações do interior dos concelhos de Braga e de Barcelos.
Essa obra foi a abertura de uma estrada que ligava as freguesias de Sequeira e S. Julião de Passos, no concelho de Braga, às freguesias de Bastuço S. Estevão, Bastuço S. João, Sequiade e Moure, no concelho de Barcelos, vindo ligar à estrada que ligava Barcelos ao Porto, passando por Famalicão.

Essa estrada, que foi iniciada em 1933, manteve-se durante as décadas seguintes como uma das principais ligações entre o interior dos concelhos de Braga e de Barcelos. Aliás, muitas das pessoas que se deslocavam através de autocarros, de Braga para Barcelos ou para as praias de Apúlia, faziam-no usando este percurso.

Foi, como referi, no ano em que entrou em vigor o Estado Novo (1933) que essa estrada foi construída. Foi no início do mês de Junho que, nas freguesias de Moure e Sequiade, as obras se iniciaram. Segundo o jornal ‘Correio do Minho’, de 8 de Julho de 1933, “os trabalhos do corte da nova estrada que partindo do lugar Pinheiro Grande, em Crujães, na estrada que desta cidade segue para o Porto, por Famalicão, vai passar por Airó, Moure, Sequiade, Bastuço S. João e Bastuço S. Estevão, para ligar à estrada de S. Julião de Passos”.

A inauguração destes trabalhos ocorreu no dia 20 de Junho de 1933 e nela participaram o Governador Civil de Braga (José Gomes de Matos Graça); o Presidente da Câmara Municipal de Barcelos (Furtado Martins); o Administrador do Concelho (Francisco Monteiro Torres) e ainda as autoridades das freguesias envolvidas nesta obra.
Na cerimónia de inauguração destes trabalhos assistiu uma enorme multidão de pessoas, que aproveitaram o momento para “dar vivas” aos presentes, mas também a Oliveira Salazar, ao Governo da União Nacional e ao ‘Portugal Novo’.

O ‘Correio do Minho’ referiu que era enorme o entusiasmo das populações destas freguesias, uma vez que este era um melhoramento que há muitas dezenas de anos ambicionavam.
Os trabalhos decorreram durante o Verão, tendo os habitantes destas freguesias, no meadamente os lavradores, dado um impulso enorme à obra, já que auxiliaram os trabalhadores da obra.
No dia 29 de Junho de 1933 o jornal ‘Noticias de Barcelos’ referia que se trabalha “com entusiasmo na construção da nova estrada; dentro em poucos meses, a caminhar assim se poderá transitar por ela”.

Mas as obras “da ditadura”, como então ficavam conhecidas, não se limitaram apenas a estas freguesias. Em Agosto desse mesmo ano, a freguesia vizinha de Couto de Cambeses beneficiou do início da construção de uma obra de grande interesse local. Tratou-se da abertura de uma estrada que ligava o apeadeiro da freguesia à estrada de Sequiade, entroncando precisamente na estrada que ligava S. Julião de Passos a Moure.

O início destas obras ocorreu no dia 30 de Julho de 1933, e nela marcaram presença o Governador Civil, o Presidente da Câmara Municipal de Barcelos, o Administrador do Concelho e ainda o vereador das estradas (Bessa e Menezes). Segundo o jornal ‘Noticias de Barcelos’ (de 10 de Agosto de 1933) a “recepção foi imponente, sendo acompanhados por todo povo da freguesia desde a sua chegada ao Apeadeiro - começo da Avenida - até à residência do snr abade Sebastião de Sá, com vivas, fogo e musica, onde lhes foi servido um lauto almoço”.

Na ocasião, o Presidente da Câmara Municipal de Barcelos referiu que há muitos anos que tem inúmeros amigos nesta freguesia, pelo que o seu empenho na resolução dos problemas é total.
Era do interesse das autoridades presentes que as obras da avenida principal da freguesia fossem concluídas antes da chegada do Inverno (1933), uma vez que, se as chuvas caíssem com intensidade, poderiam estragar esta obra, que tem um declive acentuado.

A recepção destes convidados foi de tal forma imponente, que o jornal ‘Noticias de Barcelos’, do dia 10 de Agosto de 1933, referiu que “Suas Ex.as deviam ter notado que o bom povo de Cambezes prima em receber bem os seus hospedes e ser reconhecido a quem o estima”.
Estas foram duas obras de grande interesse para as populações do interior dos concelhos de Braga e de Barcelos, mantendo-se estas estradas, ainda hoje, como as principais que atravessam estas freguesias.

Joaquim Gomes in CORREIO DO MINHO, 14 Março de 2011

sábado, 28 de agosto de 2010

Senhor padre João da Costa

Cada comunidade cristã tem à sua frente um pároco, um pastor, em ordem à condução do povo de Deus, por caminhos seguros e verdadeiros.

Assim é conforme os desígnios do Bom Pastor que deu a vida pelas Suas ovelhas e quer que todas sejam sempre bem tratadas, até às pastagens eternas do Céu.

Vou recordar os dois padres que exerceram o seu múnus nesta paróquia de São Julião de Paços, nos meus primeiros tempos de vida:

-Padre João da Costa - (1919/1953);

-Padre Mário César Marques (1954/1980);

O padre João da Costa, nasceu na vizinha freguesia de Sequeira, em 3 de Março de 1883. Estudou nos seminários de Braga, foi ordenado na Sé Catedral e tomou conta desta paróquia em 1919, tendo sucedido ao padre José Dias. Antes deste curaram a freguesia, o padre Oliveira e o padre Vilela, respectivamente.

Fui baptizado pelo padre João da Costa, em 7 de Julho de 1942. Ensinou-me a catequese e recebi a primeira comunhão, em meados de 1948.

Na altura em que veio para esta paróquia, vivia ainda o país as consequências do derrube da monarquia pelos republicanos, em 1910.

O novo regime sentia muitas dificuldades em encontrar o rumo para o País. Vivia-se grande instabilidade e consequente falta de paz! Guerrilhas permanentes entre facções diferentes deram motivo a que em apenas dezasseis anos o País tivesse 47 governos, com as consequências sociais daí resultantes.

Foi nesse contexto que o padre João da Costa começou o seu pastoreio nesta terra, o que por certo não facilitou a sua missão.

São Julião de Paços, tinha um passal com cerca de 10 hectares de terras de lavradio e bravio, situados entre a igreja e os montes do Castelo, que garantiam o sustento do pároco. A residência paroquial situava-se nesses terrenos, a cem metros, a Sul da igreja, na casa que ainda hoje é conhecida por “casa do passal”.

Na primeira Republica, com Afonso Costa a ministro da justiça, o estado confiscou todas essas terras da igreja, ficando a freguesia sem nada! Até os sinos da torre da igreja quiseram roubar, mas a firme oposição por parte dos membros da confraria da Senhora do Rosário, impediu que tal acontecesse.

O padre, escorraçado da sua residência, foi morar na casa dum paroquiano no lugar do Outeiro.

As terras roubadas à freguesia, foram pouco tempo depois vendidas pelo estado a um tal brasileiro,da freguesia de Cabreiros que, à sua morte, em herança, ficaram para o filho.

O brasileiro, tinha arranjado um feitor para amanhar as terras. O herdeiro, pouco tempo após a morte do pai, vendeu-as ao próprio feitor, o Senhor Manuel Oliveira Rodrigues, que passou a ser conhecido por Manuel do passal. As terras ainda hoje são conhecidas por “campos do passal”!

Espoliados dos bens paroquiais, os membros da fabriqueira, em 1920, compraram, uma pequena parcela de terreno junto da igreja, (o passal que temos hoje), e nele construíram a residência para o pároco.

A freguesia não tinha cemitério! Os mortos eram sepultados dentro da igreja, por baixo do soalho, composto por tampas rectangulares de madeira. Quando era preciso, retirava-se uma tampa e aí se abria a sepultura que, depois do enterro, se voltava a colocar no respectivo lugar.

Posteriormente os enterros, passaram a ser feitos no adro, em volta da igreja.

Por volta de 1930, foi comprado um pouco do terreno do antigo passal, onde se fez o cemitério que temos hoje e que começou a ser utilizado em 1932.

O padre João da Costa era um homem bastante temperamental, mas um sacerdote muito zeloso nos actos do culto: Havia missa diária e várias novenas durante o ano. No natal ao menino Jesus; a S. Sebastião em Janeiro; em Maio o mês de Maria; o mês das almas em Novembro; os clamores nas sextas-feiras da quaresma. Aos domingos da parte de tarde havia sempre na igreja a rezado o terço. No primeiro domingo de cada mês, havia a adoração ao Sanctíssimo.

A catequese era sempre aos domingos de tarde, antes da reza do terço. Todos os restantes serviços religiosos eram feitos sistematicamente na hora devida.

O padre João tinha uma empregada, a senhora Luzia, uma santa mulher que, para além das trabalhos na residência, arranjava tempo para ensinar catequese aos mais pequenitos. Para cativar as crianças a quem ensinava a doutrina, contava lindas histórias muito edificantes! Raro era o dia que ela não desse maçãs assadas ou pêras e outras coisas que motivassem.

O padre passava a maior parte do seu tempo na igreja ou na residência para atender os paroquianos. A igreja estava sempre aberta durante o dia, para quem lá quisesse entrar para rezar.

A missa durante a semana era celebrada às seis horas da manhã, se não houvesse novenas ou outros actos religiosos, nesses casos, começava mais cedo para terminar a tempo dos artistas que trabalhavam em Braga, pudessem iniciar o seu trabalho às oito horas, depois de fazerem o percurso a pé de cerca de uma hora e meia.

A celebração da Eucaristia aos Domingos era às sete da manhã. Missa ainda em latim e com o sacerdote de costas voltadas para o povo. Era cedo, porque só se podia comungar em jejum, isto é, sem comer nada depois da meia-noite. Assim foi até 1963, altura em que o Concílio Vaticano II permitiu as alterações para as condições que temos hoje.

A linda torre da nossa igreja, foi edificada no seu tempo, numa época de muitas dificuldades económicas, tempos de muita pobreza, mas a fé e a gente muito boa de São Julião tudo superava e a obra foi levada a cabo!

Começaram as obras em 1949 com a demolição do velho torreão de dois sinos e construída a nova torre com trinta metros de altura e de quatro sineiras, inaugurada em 1952.

O padre João da Costa tinha como paroquiano um seu irmão: senhor Manuel da Costa, proprietário da casa de Julião no lugar de Fijô.

Depois de passados mais de trinta anos como pároco, já bastante fragilizado, deixou esta paróquia em finais de 1953 e foi ainda para a capelania de Santo António de Beçadas, em Barcelinhos.

Com a saída do padre João, ficou a freguesia durante uns meses entregue ao padre Bompastor, pároco da freguesia de Cabreiros, até à tomada de posse do senhor padre Mário César Marques, que se verificou em Maio de 1954.

Certamente que o padre João, tinha as suas limitações como todos temos, mas deixou bem vincadas as marcas da sua acção apostólica.

Depois duns meses passados em Barcelinhos, veio morar na casa dum familiar em Sequeira. De lá foi para o Lar Conde-Agrolongo em Braga, onde faleceu no dia 18 de Novembro de 1961, tendo sido sepultado no cemitério da freguesia de Sequeira sua terra natal.

Que Deus o recompense.

Manuel Rodrigues. Agosto de 2010.


quarta-feira, 16 de junho de 2010

Lembrando D. Carlos Pinheiro-Bispo Auxiliar de Braga

Após a minha ordenação diaconal, tive o privilégio de ser convidado para secretariar o Bispo auxiliar de Braga e titular de Dume, D. Carlos Francisco Martins Pinheiro.
Com ele, nas visitas pastorais, corremos as paróquias dos Arciprestados de Vila do Conde/Póvoa de Varzim, Barcelos, Vila Verde, Vieira do Minho, e outras. Acompanhei-o ainda nas visitas que fazia a ordens religiosas, quando presidia a peregrinações, inauguração de instalações para benzer as mesmas e noutras actividades pastorais que lhe eram distribuídas pelo Senhor Arcebispo, bem como em serviços particulares que necessitava e outros para que era convidado.
Muitas vezes o acompanhei à sua terra querida de Vila Praia de Âncora. Ali me contava com saudade, as suas recordações dos tempos da infância e da juventude: falava-me de seus pais e irmãos, da casa onde nasceu, uma casa de campo com forno caseiro, das actividades dos pais, etc..
Quero destacar o que me impressionava mais no saudoso Bispo: a sua humildade e simplicidade, o seu carinho com as crianças que sempre visitava nas escolas da freguesia, nas quartas-feiras antes do Domingo da visita pastoral a cada paróquia. Era encantador! Estou certo, de que muitas crianças e mesmo professoras não esquecerão jamais essas visitas, assim como eu também recordo as lindas lições que aprendi!
No diálogo com as crianças, tinha atitudes que marcavam! Olhava para todos e escolhia um miúdo porventura dos mais reguílas, chamava-o ao pé de si e colocava-lhe na cabeça o “solidéu”! Todos davam uma risada, depois o Bispo dizia: tu vais dar bispo! Seguia-se outra gargalhada.
Um dia numa escola perguntou: “Olhai, quantas Nossas Senhoras há?” Levanta-se um espertalhão e diz: “Nossa Senhora só há uma, só que Ela tem é muitos vestidos!”. Boa resposta, comentou o Bom Bispo!
As visitas às escolas, em seu entender e no meu também, eram e deveriam continuar a merecer importância porque, como dizia ele, ali se visitavam os homens do amanhã, daí o grande valor que atribuía a estas visitas.
As homilias que bem preparava eram facilmente assimiladas por todos, devido à sua capacidade para chegar a todos os corações, até aos menos instruídos.
No fim da Eucaristia fazia questão de reunir em particular com os neo-crismados, exortando-os a serem sempre fiéis a Cristo a quem decidiram seguir.
Que o senhor o Bom Pastor lhe dê o merecido lugar nas pastagens eternas do céu.
Diácono Manuel Rodrigues
Publicado no jornal "Diário do Minho" de Braga, em 12 de Junho de 2010

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Jerónimo Pintor

Jerónimo Fernandes da Silva, nasceu na freguesia de São Julião de Paços-Braga, no ano de 1935 e faleceu em 2003. Está sepultado cá, no cemitério da sua terra natal, em campa da família, muito simples e discreta, conforme seu pedido.
Não é necessário tecer elogios ao artista que se notabilizou em áreas diversas como a poesia, gravura, o desenho e, principalmente a pintura, porque a obra que Jerónimo nos deixou, é suficientemente bela e grandiosa para nos falar do filho desta terra que tanto nos orgulha!
Por aqui passou os primeiros tempos da sua vida, na casa da família - as Marcoas - no lugar de Belide, junto à estrada nacional.
O Jerónimo era um homem fisicamente a cima da média: Alto e forte. Tinha uma bigodaça que bem combinava com o cachimbo usado quase em permanência, que o caracterizavam e lhe davam um inconfundível ar de intelectual.
Penso que o Jerónimo não frequentou nenhum curso de pintura, mas dizia-se que a Escola de Belas-Artes do Porto, reconhecendo a sua classe lhe atribuiu um diploma!
Fez várias exposições: Barcelos, Braga, Lisboa, Póvoa de Varzim, Valença e no Brasil, tendo sido o primeiro pintor português e expor em Brasília.
Era uma homem com quem se gostava de conversar. A par dumas amenas cavaqueiras, bem regadas com uns copitos, lá vinham as histórias, pantominices e a narração das partidas que ele também sabia pregar.
O relato que se segue é revelador disso mesmo, passado em Barcelos e que me foi contado pelo Senhor David Miranda, nosso conterrâneo já falecido, homem muito conhecido naquela cidade, onde durante muitos anos exerceu a actividade de ourives.
Este episódio, mostra bem a arte, e a personalidade do pintor!
Jerónimo ,ainda muito novo, foi viver para Barcelos. Ali começou a revelar os seus talentos, que em pouco tempo o tornaram muito conhecido, estimado e admirado, de modo especial pela elite daquela urbe.
Vários amigos lhe pediam para desenhar ou pintar o seu retrato, preferencialmente a óleo sobre tela.
A ninguém dizia que não, mas não se comprometia com datas, nem com o preço que cobraria pelo seu trabalho! Aconteceria quando estivesse inspirado! O preço, esse, dependia do lado para que estivesse virado. Para uns, era uma graça que fazia, a outros, era capaz de exigir um dinheirão!
Vejamos o que aconteceu com um reputado médico barcelense, seu fã e amigo.
Jerónimo, diz-lhe o médico: - Quero que me faças um retrato para colocar no meu consultório. Ok. Responde o pintor. Quando calhar, logo lho entregarei.
Passaram-se meses e meses até que chegou o dia. Mestre Jerónimo, lá vai ao consultório do doutor para entregar a obra encomendada. O médico vê o quadro, analisa-o pormenorizadamente, e, de seguida pergunta: - e o preço? O pintor, certamente com as finanças nas lonas, diz: são dez mil escudos! (estávamos no início dos anos 60, nessa altura era muita nota). O médico ficou desapontado com o custo e diz-lhe: É um exagero Jerónimo! O quadro não vale esse dinheiro e, pior que isso, está cheio de defeitos. Pouco ou nada se parece comigo, pelo que ninguém me vai reconhecer neste retrato!
A questão, prendia-se mais com a nota, do que com a qualidade da obra!
Reage o artista.- Doutor, o quadro volta comigo, uma vez que afirma não se parecer consigo e ninguém o reconhecer neste retrato! Tentarei fazer outro que melhor o identifique. E lá volta o pintor com o quadro para casa.
O então presidente da câmara de Barcelos, era um dos seus grandes amigos, ao ponto de, muitas vezes lhe matar a fome, dado que o pintor andava quase sempre liso.
No regresso, com o quadro debaixo do braço passa pela casa do presidente e muito irritado, conta-lhe o sucedido!
Naquele estado de nervos, pede-lhe que o autorize a colocar em exposição, a obra que lhe foi afirmado não retratar o conhecidíssimo médico.
Depois de concedida a autorização, mestre Jerónimo vai para o seu atelier e substitui na pintura as orelhas do indivíduo, por umas grandes orelhas de burro! Por baixo, escreve em letras garrafais: QUEM SERÁ ESTE……ALGUÉM CONHECE ESTE ANIMAL? No dia seguinte pela manhã, lá vai colocar o lindo trabalho em exposição no edifício do turismo, bem à vista de toda a gente!
Todos quantos por ali passavam, ao verem o retrato, ficavam espantados e exclamavam! Olha que vergonha! O Doutor…… com umas orelhas de burro!
Os amigos do médico, ao verem tal coisa, logo lhe telefonaram: Doutor, a sua fotografia está exposta no turismo, “enfeitada” com umas grandes orelhas de burro! Todos galhofam de si! Mande retirar aquilo dali o mais rápido possível, porque é uma vergonha e humilhação para si!
O Médico logo contacta o presidente da câmara no sentido de mandar retirar o quadro, ao que este lhe responde: Doutor, o pintor contou-me que o senhor lhe dissera, que o retrato nada se parece com a sua pessoa. Assim sendo, não se trata do Doutor, mas de outra pessoa qualquer! Fale com o Jerónimo e entendam-se. Só com a ordem dele o quadro poderá sair dali!
O médico procura o Jerónimo e pede-lhe para retirar o quadro. Jerónimo responde: Aquele retrato não é o senhor, pelo menos foi isso que ontem me disse quando fui ter consigo, no seu consultório! Não foi verdade que me disse o retrato nada se parecer consigo? As pessoas é que devem estar a ver mal! Por isso sossegue, porque nada tem a ver com V. Exª.!
Perante a resistência do artista, o médico não teve outro recurso se não desembolsar os dez mil escudos e dá-los ao pintor, pagando assim a "obra prima, que de seguida lhe foi entregue.
Várias vezes tive o prazer de o receber em minha casa. A par de conversas animadas e piadas sempre cheias de bom humor, entornavam-se umas copadas de bom tinto, que tornavam ainda mais viva a já boa disposição. De facto, nesses encontros, passavam-se momentos inesquecíveis!
Um dia perguntei-lhe se foi verdade ter acontecido o episódio supra. Ele, soltando uma grande gargalhada responde: Tenho outras histórias interessantes para te contar! Um dia destes falaremos delas.
Infelizmente, passado pouco tempo, Jerónimo deixou de estar entre nós!
Faleceu, em 28 de Dezembro de 2003.
Que Deus o tenha junto de si.

Manuel Rodrigues

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Como era São Julião de Paços antigamente?

Certamente que a área, os limites geográficos e os lugares de São Julião de Paços, são os mesmos desde há muitas décadas, mas a vida que temos hoje, nada tem a ver com a miséria que se viveu, até à década de sessenta do século passado.
Normalmente as famílias eram numerosas: oito, dez, doze filhos… Conheci uma que criou 23!
Eram muito fracos os recursos!
A subsistência da família assentava, essencialmente, na pequena féria que o pai trazia no fim da semana. A mãe, passava a vida a tratar da casa e cuidar dos filhos, no resto do tempo lá ia criando umas galinhas, uns coelhos e outros animais para consumo doméstico.
Só em algumas casas havia água própria, proveniente de poços donde era tirada ao balde, ou de minas que de terras mais altas, era canalizada até ao tanque junto da casa. O abastecimento das outras casas era feito através de fontes públicas onde se ia buscar, em cântaros de barro e deles, com um caneco se tirava a água para fazer a comida e outros fins domésticos.
Em São Julião as fontes que serviam mais gente eram: a fonte de Vila Pouca, que abastecia também o populoso lugar do Monte do Porto; a fonte do Sobreiro, no lugar do Outeiro; a fonte de Forcadêlo que abastecia também o lugar da igreja; o Mirão na Pedreira; a fonte de Belide, a de Fijô; a da Serra; a mina da tia Maria Amélia, no lugar da Bouça e mais uma ou outra de que posso não me recordar.
Como bem se pode compreender, tornava-se muito difícil e trabalhoso manter as condições mínimas para uma vida saudável, mas, assim se foi vivendo durante muitos anos!
As casas, inconfortáveis e normalmente de dimensões reduzidas , tinham anexado um quintal onde se cultivavam umas novidades: batatas, cebolas, hortaliças e tudo o mais que contribuísse para o alimento da família, mas tudo se tornava pouco para o sustento de tanta gente!
Os filhos, à medida que iam crescendo, ajudavam a tratar dos mais novos, e dos montes traziam lenha para fazer a fogueira na lareira aquecendo os potes onde se cozinhava. Assim iam vivendo e crescendo até à idade de seguir o seu destino: servir um amo, aprender um ofício: aprendiz de pedreiro, trolha, carpinteiro ou em oficinas, onde nada ganhavam no período de aprendizagem.
Todas estas fracas condições nada contribuíam para um bom desenvolvimento físico e integral da pessoa! É muito vulgar ouvir os mais idosos dizerem que uma só sardinha dava para duas ou três pessoas! Hoje ninguém acredita nisso, mas era mesmo assim! Um caldo feito de couves, com uns feijões, um punhado de farinha, meia sardinha, um naco de broa, já não era muito mau! Ou então, umas batatas cozidas com couves (e o bacalhau na venda como se dizia), assim era o dia a dia na maioria das casas da nossa aldeia!
A má nutrição, condições higiénicas quase inexistentes, ausência de vacinação contra doenças e a fraca assistência médica, etc., tudo contribuía para um elevado nível de mortalidade infantil, e doenças nos maiores! Para quem não sabe, até nos cemitérios existia um sector só para enterrar os “anjinhos”, as crianças e tantas eram, as que morriam nos primeiros tempos de vida! Poucos casais escapavam de enterrar uma ou mais crianças!
Para além da fome que se passava, havia ainda quem se aventurasse a construir uma “barraquita” para alojar a família, o maior anseio de todos os casais, facto que, para muitos, se tornava no princípio do fim!
Recordo-me de alguns homens desta terra, que, aspirando concretizar tal sonho, trabalhavam noite e dia! Com tanto trabalho, duro e continuado, muito mal alimentados, contraíram doenças, (a tuberculose era a mais frequente), que os levaram à morte precoce.
Sem qualquer apoio social, nem sequer o abono de família! Míseros rendimentos em famílias numerosas, como era possível sobreviver?
As principais preocupações do Estado passavam por manter a ordem pública e pouco mais! Pouco se investia no ensino! Nos meios rurais só o primário para alguns e nas cidades, para além deste, o secundário e superior só para os “grandes”; investimento público mal se via; rigoroso controlo político; fiscalização apertada às actividades económicas, etc., assim era o país nesses tempos!
Em cada freguesia o governo tinha um seu representante - o regedor – autoridade criada em 1836. Este era auxiliado por dois cabos, sempre atentos à ordem pública, agindo nos conflitos locais e até nos familiares. Quando chamados a intervir, usavam a sua autoridade e, nos casos mais difíceis, chamavam a GNR para que a normalidade fosse reposta.
Os três últimos regedores de São Julião, depois dos anos trinta, foram: O Senhor Francisco Gomes, da casa da Figueira, sucedeu-lhe o Senhor Constantino Gomes, da Pedreira e por último o Senhor Alípio Pereira, do Souto. Os últimos cabos de ordem que conheci, foram: o Senhor Domingos Malheiro e o Senhor Daniel Músico.
Com a revolução do 25 de Abril o regedor deixou de existir, o que em meu entender foi uma má medida porque, era sempre uma autoridade próxima do povo, a quem se podia recorrer em casos de conflito.
Diz-se que actualmente essa missão passou a ser da competência do Presidente da Junta, mas creio que a maior parte dos autarcas das freguesias não sabem sequer o que era um regedor, muito menos, a acção que desempenhavam na sociedade.
Bom era que o desaparecimento dessa autoridade não se fizesse sentir mas, nfelizmente, com o novo regime que se queria ordeiro e democrático, as liberdades dadas a todos, permite que alguns se sirvam delas para atentar contra as pessoas e bens alheios, pelo que acho um absurdo, dizer-se que vivemos num país livre!
Que liberdade pode haver, se todos os dias somos confrontados com assassinatos, atentados, assaltos, roubos, corrupção etc., e os criminosos por aí a passear impunes e calmamente pelas ruas sem serem chamados à ordem?!
A insegurança é de tal ordem, que nos deixa a todos seriamente preocupados! Isto, era impensável acontecer noutros tempos!
Sim à liberdade e ao respeito mutuo, o que só será possível se houver governantes sérios, capazes, que cumpram e façam respeitar os direitos e a liberdade de todos.

Manuel Rodrigues